sábado, 25 de julho de 2020

A gaúcha na rota da missão espacial brasileira - Conheça melhor Loiva Calderan

Loiva Lopes Calderan revela em entrevista exclusiva as principais dificuldades enfrentadas pela equipe, os desafios vencidos e o orgulho de ajudar a escrever um das páginas mais importantes da ciência espacial no Brasil: a da missão que levou o atual Ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, ao espaço, em 2006.
          Do berço humilde, em Pelotas (RS), à missão espacial mais importante do Brasil, Loiva Lopes Calderan, percorreu um longo caminho. Aos 65 anos, a geminiana, formada em Matemática pela UniCeub em 1979, tem na bagagem um currículo invejável e uma vida dedicada à ciência, à tecnologia e à cultura. Mesmo morando na capital federal desde 1974, quando deixou o Rio Grande do Sul para se casar com Dorvílio Calderan, nunca rompeu os laços com sua origem gaúcha. Já ocupou vários cargos no tradicionalismo fora do Estado, inclusive o de presidente da Federação Tradicionalista Gaúcha do Planalto Central (FTG-PC), sendo a primeira mulher a exercer a função. Foi também do Departamento de Esportes (uma grande bochófila) da federação e Relações Internacionais da CBTG. Atualmente, é membro do Conselho Nacional de Política Cultural.

     Na profissão, fez da ciência sua paixão e por mais de 20 anos atuou como técnica de projetos no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em Brasília. 

     Mesmo aposentada, a mãe de três filhas perseguiu novos desafios, indo parar na, então, jovem Agência Espacial Brasileira (AEB), na qual fez parte da chamada ‘Missão Centenário’ - em referência à comemoração do centenário do primeiro voo tripulado de uma aeronave, o 14 Bis de Santos Dumont, em 23 de outubro de 1906 - que levou o primeiro astronauta brasileiro ao espaço, em 2006. Em 30 de março, a nave  Soyuz TMA-8, da Agência Espacial Federal Russa (Roscosmos), tripulada por três astronautas – um brasileiro, um americano e um russo - partiu do Centro de Lançamento de Baikonur, no Cazaquistão, com destino à Estação Espacial Internacional (ISS). 

     Na missão, Loiva representou o governo brasileiro e acompanhou de perto a preparação do Tenente-Coronel Marcos Pontes para a viagem. “A coisa era muito séria. Estávamos representando toda a nação. Conosco não tinha jeitinho brasileiro”, revela entre as respostas.

     Com bom humor e muita disposição, a pequena e inquieta gaúcha, que cumpre à risca as medidas de afastamento social – “por ser do grupo de risco”, brinca - junto com o marido e os netos em um sítio no interior do Distrito Federal, driblou as dificuldades de acesso à internet para, em uma chamada de vídeo de quase duas horas, bater um papo descontraído e cheio de revelações. 

Como você foi trabalhar na Agência Espacial Brasileira?

Loiva Calderan - As coisas acontecem e nem sempre a gente faz uma reflexão sobre elas. A gente tinha um trabalho pra fazer, era um compromisso, e a gente foi fazendo. Aparecia, a gente se virava e ia acontecendo. Então, como eu fui parar na coordenação do projeto? Eu era do CNPq, já tinha mais de 20 anos de CNPq (CNPq você conhece, né?) e aí, eu me aposentei. Depois de aposentada, eu fiquei mais dois anos no CNPq e aí pensei que precisava buscar coisas novas. Foi quando um amigo meu, – aquelas coisas que acontecem assim sem explicação – o Paulo, passou e perguntei: “Tá indo pra onde?”, e ele me respondeu: “Eu tô na AEB!”, e eu: “AEB, que é isso?”. Ele respondeu que se tratava da Agência Espacial Brasileira e eu falei: “Então me leva pra lá!”. Foi assim, no corredor, e ele, meio de passagem, disse: “Então tá, vou entrar em contato contigo!”. Mas aquilo era só uma chamada, um papo informal. 

    No outro dia ele ligou dizendo: “Pode vir, a vaga é sua!”. Eu falei: “Eu nem sei o que é AEB!” (risos) e ele me respondeu: “Ah, vem cá que eu vou te explicar. Você vai ser gerente de projeto aqui”. Eu era da área de planejamento, já era técnica em planejamento da Ciência e Tecnologia e daí eu ia ser do Programa Espacial, em uma Agência que era muito nova, que estava apenas começando os programas e tal. E assim, eu fui para trabalhar na Agência, na área de gerência de projetos. 

    Cheguei lá, meu chefe passou um projeto que era exatamente o que o Paulo coordenava. Dali a pouco, tinha mais outro projeto. Então, o projeto inicial era um espaço para desenvolvimento de componentes para a área espacial. O segundo foi o programa de microgravidade, depois veio o de geoposicionamento.

 A nossa era uma unidade pequena, composta pelo nosso coordenador e mais duas pessoas, e nós fazíamos toda a gerência desses projetos da Agência Espacial. 

Como nasceu o projeto do voo do astronauta brasileiro?

Loiva - Surgiu mais um projeto, e um dia o nosso chefe chegou e disse: “Olha, o Ministro mandou uma ordem pra que o Pontes vá voar pela Rússia”. Ficamos surpresos, mas a equipe de pronto aceitou. Ele decidiu dividir as tarefas. Ele ficou com a coordenação, eu fiquei com a parte do astronauta e a colega Marta com a parte dos experimentos. Dividimos as tarefas e fomos descobrir o que era isso. Foi um grande desafio pessoal, porque eu mesma não fazia muita ideia do que era um voo tripulado, o que era trabalhar para que um astronauta fosse ao espaço. Então, nosso dia a dia todo era descobrir como fazer os contatos - porque a essa altura nosso contato não era mais com os EUA e sim com a Rússia - quais eram os compromissos que a gente tinha. Tudo era desafio! Tanto por parte do astronauta, como por parte de voar experimentos. 
Nós tínhamos que selecionar experimentos, preparar os pesquisadores, preparar espaços, o laboratório de São José dos Campos, a parte de integração e testes, tudo precisava ser pensado e preparado, porque era a única unidade que a gente tinha no país com alguma experiência. Mas não tinha experiência pra voar experimentos em voos tripulados. Nossos experimentos voavam nos nossos foguetes que eram pequenos. Nem se pensava em voar experimentos em voos tripulados, pois isso exige que você tenha testes rigorosíssimos com o material que se usa, a tinta, o tipo de material, tudo tem que ser rigorosamente testado e aprovado. 

   Aí começamos o nosso desafio. O voo tinha que acontecer em oito meses. Ninguém acreditava que o Brasil pudesse cumprir o cronograma, já começava por aí. Era um grande desafio porque as agências espaciais levavam, no mínimo, dois anos pra cumprir todos os procedimentos, e a gente só tinha oito meses. Bom, foi um trabalho exaustivo, trabalhando dia e noite, viagens, semanas inteiras em São José dos Campos. A gente parou tudo pra fazer acontecer o voo do astronauta. 

   O primeiro brasileiro a ir ao espaço, uma façanha que estava na hora de acontecer, porque a formação do astronauta fazia parte de um acordo com os Estados Unidos, no qual o Brasil era parceiro na construção da Estação Espacial Internacional. O Pontes já tinha oito anos de formação nos EUA, mas voar com a  Rússia era uma outra novidade. Por isso, fomos trabalhando, correndo contra o tempo para cumprir o cronograma. 

Como foi o processo de preparação da missão?

Loiva - Selecionamos os suprimentos, treinamos os pesquisadores porque, na realidade, tinha um experimento chamado ‘Experimento do Feijão’, cujo objetivo era chamar a atenção das crianças e aproximar a juventude da chamada para o programa espacial e sua importância, porque através da ideia do feijão que ia ao espaço, esse público se identificava com a proposta. 

   Algumas pessoas questionavam a utilidade do experimento, mas foi uma jogada do nosso chefe, porque somente a viagem do astronauta não justificaria o investimento de uma fortuna, se não trouxesse algum legado para o governo brasileiro, para o Brasil e para o Programa Espacial Brasileiro. As coisas tinham que se juntar. Então vieram os experimentos e a chamada para o programa através do experimento do feijão, que era bem popular, mas era exclusivamente um gancho para a divulgação.
   Cada fase, para nós da coordenação – além de sermos somente três e não termos muito apoio, já que a Agência era muito nova, não tínhamos como contar com grandes aportes (na foto que te mandei, você vai ver que estão os três astronautas, mais eu, a Marta e o Dr. Múcio, nosso coordenador e fazia parte das traduções e tudo mais, enquanto nós fazíamos a parte gerencial e administrativa) – era um desafio. 

   Nós tínhamos que fazer o seguro no valor de 5 milhões de dólares para o astronauta brasileiro. Quem vai assegurar um astronauta? Como se faz isso? Quais são os requisitos? Você tem que pagar o voo, então como você vai transferir o dinheiro para uma estação? Tudo, tudo era novidade. E a gente tinha que correr atrás. Vamos na seguradora, no Rio de Janeiro. Vamos procurar como se faz cada coisa. Aí, o Pontes tinha que ir pra Rússia treinar, ele precisava aprender russo, tinha que ser muito bem treinado. Uma loucura!

Como era o astronauta e atual Ministro Marcos Pontes?

Loiva - Ele, tecnicamente, é um cara fantástico. As dificuldades, normalmente, acontecem, como discordar de algumas regras, de alguns processos, isso faz parte. Mas lá, com a gente, não tinha essa de jeitinho brasileiro. Então, até a hora do voo, eu estava lá representando o Governo Brasileiro e fazendo cumprir todos os nossos regulamentos. O Pontes sabia que nada que seria levado ao espaço podia ter marca, fiz ele me mostrar a mochila (risos). Tudo tinha que ser descrito num memorial, algumas coisas não podiam ser levadas, tudo tinha que ser seguido nos mínimos detalhes, tudo muito técnico. Mas ele sempre foi muito profissional.

Quantos experimentos foram enviados ao espaço? Quantos dias os astronautas e os experimentos ficaram em órbita? O feijão brotou?

Loiva - Eram experimentos todos técnicos. Mas como essa não era minha área, eu não mexia com a parte de experimentos, não sei te dizer, especificamente. Além da experiência lúdica do feijão, os experimentos abrangiam engenharias, microeletrônica, saúde e biotecnologia, mas não me recordo especificamente de cada um. Foram oito dias no espaço e, sim, o feijão brotou como na terra (risos), aliás, brotou como no algodão!

Quais foram as maiores dificuldades? 

o Alfabeto para melhor compreensão
Loiva - Primeiro, acho que enfrentar tudo isso num país tão diferente como a Rússia. Te mandei uma foto aí do gelo. Eu nunca tinha visto neve, começa por aí. Eu nunca tinha viajado pra passar 30 dias longe da minha família, isso era um desafio muito grande, deixar as filhas ainda jovens em casa, uma delas grávida em final de gestação. Eu expliquei que estava indo trabalhar, que era uma missão importante, elas ficaram muito orgulhosas – toda a minha família, aí no sul, ficou orgulhosa - porque foi um trabalho histórico para o país e nós, da equipe, tivemos a coragem de enfrentar o desafio, mas era complicado lidar com a saudade. 

   Depois a língua, o russo, a gente não conhecia nada. Então, nós tínhamos um intérprete/tradutor, mas era um pra tudo, para toda a equipe, e ele começou a nos dar umas aulinhas (te mandei o alfabeto que usávamos), nós sentávamos e aprendíamos a transletrar, aí conseguíamos ir reconhecendo algumas palavras, misturando com um pouco de inglês.


     Conhecer o centro de controle também, porque tínhamos que cumprir todas as determinações, tudo com muita atenção, o que nos deixava um tanto tensos, com medo de algum deslize. O povo russo é bastante estranho, eles são fechados, um povo muito fechado que não faz questão de ser sociável. Em compensação, tínhamos no centro de controle, uma senhorinha que fazia a comida e era muito bonitinha, porque ela só falava russo, então na hora das refeições, ela chamava um por um e para que entendêssemos, ela nos dizia: Nham, nham... sinalizando, pra sabermos que devíamos ir comer (risos). 

    A comida, aliás, foi outra dificuldade porque os pratos russos não agradam o nosso paladar. Então, eram aquelas sopas e tal, porque lá faz muito frio. A gente sentia bastante, mas cumpria com tudo que era preciso. 

    Nossa rotina era do hotel pro centro de controle e do centro de controle pro hotel. Nesse interim, ficamos em confinamento durante dez dias no Cazaquistão, no Hotel dos Astronautas, nos quais não podíamos sair pra nada. Sabíamos que estávamos sendo observados. Nessa ocasião um coronel russo, daqueles bem sisudos, chegou pra mim e disse: “Olha, não é proibido de vocês saírem, mas não é permitido”, porque, na realidade, o Hotel dos Astronautas no Cazaquistão é considerado território russo, mas saindo da área do hotel é Cazaquistão, e daí não tínhamos visto para circular. Como não tínhamos autorização para entrar no país, só podíamos andar com a equipe russa, nos ônibus deles, e só para irmos até o Centro de Lançamento. 

Qual a função desse período de isolamento no Cazaquistão?

Loiva - Esse período era a fase final de treinamento dos astronautas. Além da preparação pessoal, dos testes físicos e exames médicos, eles faziam, diariamente, no centro de treinamento, o voo simulado. Lá já estava a famosa cadeirinha, que reproduz o ambiente da nave espacial, na qual eles eram colocados pra se ambientar e se preparar para o voo. Diariamente, eles tinham uma rotina bem rígida de treinamento pra garantir o sucesso da missão. Não podia haver falhas.

Entre quantas pessoas vocês viajaram para a Rússia? 

Loiva - Éramos, na equipe, 14 pessoas. Nós três da AEB, o astronauta Pontes, um médico, um tradutor e mais oito pesquisadores. Esses foram a trabalho. Depois, havia a comitiva que era composta pelo presidente, ministro e outros envolvidos no projeto, aqueles que saem na foto (risos). Aliás, como só tínhamos um tradutor, precisávamos nos virar no inglês, porque ela acabava acompanhando a comitiva de políticos e nós, que precisávamos, ficamos sem. Mas faz parte (risos).

Como o projeto foi custeado?

Loiva - O voo do astronauta foi custeado com dinheiro do Ministério da Ciência e Tecnologia. Na época, até tentamos um patrocínio junto à Petrobrás, mas a estatal não quis apoiar o projeto. Os 15 milhões de dólares que a missão custou foram parcelados e pagos pelo com recursos diretos do Ministério.

Quando aquele foguete explode você começa a pensar: “Ai, meu Deus, será que vai dar certo?”

Qual o momento mais emocionante?

Loiva - O dia do voo. Você ficar perto, acompanhando o lançamento, ver a explosão, o foguete subindo, você sabe que nele estão três pessoas com as quais você convive, é uma emoção, uma coisa inexplicável. Quando aquele foguete explode você começa a pensar: “Ai, meu Deus, será que vai dar certo?”. Dizem que são os oito minutos mais longos da vida de uma astronauta, que é o tempo que demora pra ele chegar em órbita, depois que chegou em órbita, daí tudo bem. No momento do lançamento teve um episódio que me marcou muito. Os filhos e a esposa do Pontes estavam comigo e na hora que o motor de combustão explodiu pro lançamento, a filha deu um grito chamando pelo pai. Aquele grito soou muito emocionado por ver o pai ir pro espaço, mas, ao mesmo tempo, denotava um medo se tudo daria certo. Até hoje essa é uma lembrança muito forte.

   E depois, a volta. No momento do pouso estávamos de volta ao Cazaquistão, eu e o médico brasileiro – eu com a responsabilidade de representação do governo brasileiro, e o médico para acompanhar o Pontes nos primeiros dias depois do pouso – quando um pessoal americano - muito legal - se prontificou a nos acompanhar para ver o retorno, porque com eles nos entendíamos melhor, graças ao pouco de inglês que falávamos. Quando vimos aquela incandescência e depois o pouso, foi uma sensação de alívio. Daí foram os dias de acompanhamento pra ver se estava tudo bem com a saúde do astronauta e voltar ao Brasil pra contar sobre o sucesso da missão. 

   No retorno, foi muito bom encontrar todos que tinham torcido por nós, que torceram para os experimentos darem certo. A alegria de viajar pelo país relatando a experiência. Confesso que foi cansativo, muito tenso em todos os momentos, com muitas dúvidas se tudo daria certo. 

   O meu chefe sempre foi muito organizado, muito didático, e como vínhamos trabalhando juntos há muito tempo, mais de oito anos, um dia, analisando o feito, perguntei pra ele: “Dr. Múcio, poxa-vida, por que a gente tem que fazer isso?”, afinal, as coisas nem sempre davam certo, nem sempre saiam como a gente gostaria, e ele me respondeu: “Loiva, recolha-se a sua insignificância, não nos perguntaram, mandaram fazer e nós vamos fazer” (risos). Ele era muito espirituoso. 

Como tu te sentes em relação a esse trabalho?

Loiva - Eu sinto muito orgulho, realmente muita emoção em falar sobre o voo do astronauta porque acho que é um fato que não vai se repetir nem nos próximos 10 e nem nos próximos 20 anos, de colocarmos um astronauta brasileiro no espaço. Uma pena, porque o Brasil tem tanta coisa boa pra investir na área espacial, mas as políticas nem sempre tratam daquilo que a gente gostaria, que tecnicamente é viável. Às vezes, as questões políticas acabam falando mais alto, e na área de tecnologia, eu - que sempre atuei no segmento de ciência e tecnologia - aprendi que os investimentos não ocorrem porque ciência e tecnologia não dão votos. No Brasil, se não da voto não tem prioridade. 

   Depois da missão ainda fiquei por mais dois anos na AEB, daí achei que já havia dado minha contribuição e que era hora de me dedicar à família, afinal, eu já estava aposentada há 10 anos e tinha dado minha contribuição no Capes, no CNPq e depois na Agência Espacial. Foi quando me desliguei completamente.

"Hoje, falamos pelo celular, 
estamos aqui nos vendo por vídeo,
 graças ao programa espacial".

Tu achas que essa missão espacial cumpriu com o objetivo de divulgar a engenharia espacial e a pesquisa científica no Brasil? 

Loiva - Ajudou muito e como tínhamos um programa chamado AEB Escola, nós conseguimos vincular a missão ao projeto e o AEB Escola pode continuar trabalhando e reforçando a importância do programa espacial como um todo, não só o programa espacial brasileiro. Mas, com o tempo, o programa foi diminuindo e o voo do astronauta brasileiro foi caindo no esquecimento. Entretanto, precisamos pensar que o programa espacial (no mundo), de modo geral, foi o grande responsável por toda essa tecnologia que nós temos hoje. Hoje, falamos pelo celular, estamos aqui nos vendo por vídeo, graças ao programa espacial.

"Na época da missão, vimos tanto interesse em 
fazer parcerias, na transferência de tecnologia. 
O que não aconteceu."

Atualmente, Marcos Pontes é Ministro da Ciência e Tecnologia. Como tu vês o trabalho dele no cargo? Achas que ele poderia aplicar melhor o conhecimento que adquiriu com a missão? 

Loiva - Eu acho que ele poderia, hoje, aproveitar como ministro (e era essa a minha expectativa) realmente todo esse legado, toda essa formação que ele teve como astronauta, como técnico, para trazer mais desenvolvimento para o programa espacial e um melhor aproveitamento para a nossa base de lançamento em Alcântara. 

   Para teres uma ideia, a base de lançamento de Alcântara tem a melhor posição geográfica mundial, porque para um lançamento espacial há uma série de necessidades, entre elas, a questão do clima. Em Alcântara, tem janelas de lançamento o ano inteiro porque não faz frio excessivo, não tem neve, não é tão quente, a velocidade do vento na região do Equador, onde fica a base, é sempre leve, o que oferece uma grande economia de combustível no lançamento. Também não tem cidades muito próximas. Então, a base está em uma localização superprivilegiada e ela poderia trazer muitos recursos para o Brasil. 
Na época da missão, vimos tanto interesse em fazer parcerias, na transferência de tecnologia. A gente ganhou muito em termos de transferência de tecnologia para a preparação do voo, principalmente o INPE e o CTA que ganharam um laboratório bem montado, técnicos especializados, mas nós poderíamos ter trazido muito mais parcerias, o que não aconteceu. 

Por que não aconteceu? Desinteresse do governo brasileiro?

Loiva- Falta de uma política de programa espacial, porque a política tá só no papel, mas no dia a dia ela não existe. 

Como tu vês o posicionamento do presidente Bolsonaro em relação à pesquisa científica, ciência e tecnologia?

Loiva - O presidente procurou colocar ministros bem técnicos, cada um no seu canto. O Pontes, tecnicamente, é uma excelente pessoa, mas politicamente deixa a desejar. O fato de eu ser um ótimo médico não garante que eu vá saber administrar um hospital ou o sistema médico. Na ciência e tecnologia é a mesma coisa. Tecnicamente, o Pontes foi considerado um dos melhores astronautas. 

   Os EUA têm mais de 100 astronautas e a Rússia também possui um número significativo, mas o Pontes se destacou entre todos eles, tanto que ele foi muito bem aceito para voar na Rússia ao lado de um americano e um russo, pela capacidade técnica dele. Mas ele não tem essa mesma capacidade para administrar um cronograma de ciência e tecnologia no país. Ele tem boas ideias, mas daí a conseguir colocá-las em ação tem um distanciamento muito grande. São muitas variáveis, muitas áreas que precisam de apoio e nem sempre é fácil conciliar.

"Nossos cientistas fazem muito 
com o pouco que recebem"

E sobre os cortes financeiros nessa área?

Loiva - Cortes na área de ciência e tecnologia? Se você estudar história, vai ver que sempre o orçamento de ciência e tecnologia foi questionado, porque, como já comentamos, ciência e tecnologia não dão votos, então, ciência não é prioridade. Tem que ter um bom ministro que saiba negociar, que tenha um bom plano e que brigue por recursos. Na minha vida profissional, tanto na Capes quanto no CNPq, sempre enfrentamos dificuldades de não ter dinheiro pra pagar bolsista no exterior.

   É normal você ter uma seleção e não poder mandar o pessoal pro exterior porque não tem liberação de verba. Então, não é uma coisa que aconteceu só no governo Bolsonaro. Sempre aconteceu! Esse é o meu ponto de vista como técnica da área de ciência e tecnologia. Não acho justo. Não é justo. O Brasil tem tudo. Nós temos bons cientistas, temos pessoas que vestem a camisa, tiram do bolso pra desenvolver a ciência. 

   Lembro de uma vez que, em uma prestação de contas, foi glosada uma rubrica porque o pesquisador havia adquirido um número x de caixas vazias de ovos. A equipe técnica questionou a aquisição e cortou a verba. Aprofundando, descobrimos que o pesquisador precisava isolar um estúdio e como não havia recursos para a aquisição da espuma específica, ele acabou utilizando as caixas de ovos que eram muito mais baratas. A ciência brasileira está cheia de idealistas, como em todas as áreas.

   "A área científica brasileira tem pouquíssimos recursos em relação a outros países, mas nossos cientistas fazem muito com o pouco que recebem".
Qual o papel da ciência brasileira nesse momento em que enfrentamos uma pandemia?

Loiva- Temos ótimos pesquisadores e eu tenho muita esperança que o Brasil vai encontrar uma saída, uma vacina, para pelo menos minimizar a médio prazo toda essa situação. Eu acredito muito na ciência e nos cientistas e pesquisadores brasileiros. 

Matéria feita pela Liliane Pappen Bastos para um trabalho de encerramento de curso de jornalismo e publicada no "medium" - conteúdo que fez sucesso com a nossa madrinha Loiva.

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