sexta-feira, 6 de março de 2020

Por que o tema "200 anos da chegada de Saint Hilaire no RS" merece atenção especial - Parte IX

NA CAMPANHA

      Com sua carreta, criados e um guia (miliciano da guarda de Quaraí), Saint-Hilaire subiu da Banda Oriental. "Quando eu estava em Belém (no rincão de Arapeí) havia dois caminhos a seguir. Um, passando pela povoação chamada Capela do Alegrete, e outro, o que adotei, marginando o rio Uruguai". Ele tornaria a se referir a essa Capela quando chegasse a Santa Maria (na Região Central): "Os produtos da lavoura local são consumidos aqui mesmo, mas pequenas quantidades são remetidas à Capela de Alegrete, onde os proprietários, tendo quase os mesmos hábitos dos gauchos, ainda não se dedicam à agricultura".

      Logo à entrada da deserta Campanha sul-rio-grandense, perderam-se ("não há nenhum caminho traçado") e o vaqueano não conseguia atinar com o rumo do destacamento de Santa Ana, seu primeiro objetivo. Depois de infrutíferas buscas, o vaqueano e o criado Joaquim Neves voltaram à guarda de Quaraí, para que o alferes comandante fornecesse um outro cicerone mais habilitado.
Não havia viva alma na planície. Mas sobravam bandos de avestruzes e veados ("hoje pudemos contar trinta veados em um só bando dos vários encontrados").

       Manadas de cavalos selvagens ("fugiram oito dos nossos cavalos, foram encontrados no meio de uma manada selvagem, José Mariano conseguiu pegar quatro deles"). E, por várias vezes, registra-se a presença de tigres ("Matias veio dizer-nos ter visto quatro tigres, dois grandes e dois pequenos, os quais estavam devorando o melhor dos meus cavalos").

      Chegam por fim à estância do alferes comandante da guarda de Santa Ana. Não encontravam a guarda porque fora mudada para duas léguas além. "Há dez dias eu não via casas nem outras pessoas além de meus criados e vaqueanos. Tive grande alegria ao ver por fim alguns ranchos."A estância se compõe de míseros ranchos, na maioria ocupados por famílias indígenas emigradas de Japeju". "Os estancieiros desta região, não tendo escravos, aproveitam a imigração dos índios para conseguir alguns que possam servir de peões. Os guaranis montam bem, têm prazer nisso, e muitos sabem amansar cavalos."

      Não foi agradável a impressão deixada pela estância e seu proprietário. "Eis um homem que apenas se nutre de carne, mora em mísero rancho, não tem outro prazer além do fumo e do mate, e é oficial de milícia. Mostra-se muito satisfeito; mas é de se esperar que uma tal existência deva reconduzir necessariamente à barbárie um povo tão resignado. Limitar suas habilidades a saber montar a cavalo, e seus costumes a comer carne, é reduzi-lo à condição de indígena e distanciá-lo da civilização, que, nos fazendo conhecer uma multidão de prazeres, nos força a trabalhar, a exercer nossa inteligência para conquistá-los e por isso a aperfeiçoar-nos, pois é unicamente pelo exercício de nossa inteligência que nos aperfeiçoamos. Sou tentado a acreditar que esse homem, apesar de ser branco, pertence aos habitantes desta região que têm costumes semelhantes aos gauchos, homens de maus costumes que perambulam pelas fronteiras."

      No Rincão da Cruz, vê um rodeio. O gado estava em repouso, cercado de peões. O terreno perdera o pasto, "o que não é para se admirar, pois é sempre no mesmo local que se reúne o gado". As pastagens são excelentes. Os animais, grandes e de boa raça.

       Chega por fim a um autêntico oásis: a estância de São Donato, pertencente ao Marechal Chagas. Cinco léguas de campo, seis mil bovinos, duzentos cavalos. Atendida por um capataz e dez peões.

      "Fui bem acolhido pelo capataz, que me ofereceu pêssegos, figos e melancias. De todas as regiões por mim percorridas até agora, na América, não encontrei outra em que os produtos europeus produzissem tão bem como aqui."

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