domingo, 21 de agosto de 2011

Cinema Gaucho em alta

Contos Gauchescos, de João Simões Lopes Neto, é uma das obras principais da literatura brasileira e ícone da consolidação da identidade cultural gaúcha. Para o Rio Grande do Sul, Simões Lopes Neto tem importância equivalente à de Guimarães Rosa para Minas Gerais e o Brasil. Por seu desenvolvimento dramático, os contos simonianos são perfeitamente adaptáveis para a televisão e cinema. Contos Gauchescos tem como objetivo apresentar o grande escritor ao país em diversas mídias.

Hoje, entrevistamos o grande diretor e, uma mente brilhante da cultura gaúcha. Henrique de Freitas Lima... acompanhe nossa charla...

Quem é Henrique de Freitas Lima?

Um sujeito com um pé no campo, por herança genética, e outro na cidade, pelas circunstâncias da vida. Cresci em diversas cidades do Rio Grande em função da profissão de meu pai, também Henrique, o Dias de Freitas Lima, responsável em conjunto com Colmar Duarte pela criação da Califórnia da Canção Nativa quando vivíamos em Uruguaiana. Promotor Público apaixonado pelas coisas do pampa, devo a ele a introdução ao universo da cultura do campo.

Ao abraçar o cinema, decidi dedicar a maior parte da energia a trabalhar dramaticamente a identidade cultural desta paisagem mágica que nos une aos hermanos platinos. Decisão difícil, já que os muros do preconceito e os rótulos que me marcam como "regional", independente dos meus filmes refletirem sobre a condição humana sob um ponto de vista especial , seguem firmes. Depois de 25 anos de carreira, já aprendi que eles são como o vinho: o tempo lhes faz muito bem.


Depois de sucessos como “Concerto Campestre”, o que podemos esperar de “ Contos Gauchescos”?

Na véspera de completar o centenário de publicação (1912-2012), o clássico de João Simões Lopes Neto está mais vivo do que nunca. Com paciência e dedicação, vimos construindo desde 2006 o projeto Contos Gauchescos - Simões Lopes Neto nas Telas, que inclui o filme para os cinemas, em 5 episódios - Abertura, Os Cabelos da China, Jogo do Osso, Contrabandista e No Manantial, com estréia prevista para abril do ano que vem, e a Série de Televisão, a ser veiculada na TVE e TV BRASlL , que agrega aos episódios do filme as adaptações de Negro Bonifácio e Trezentas Onças.

Tal como na obra original, o tropeiro leal e valoroso Blau Nunes (Pedro Machado) conduz os espectadores a conhecer o genial escritor pelotense no documentário de Abertura e logo mergulha nas movimentadas narrativas dos contos clássicos simonianos. Fiéis ao universo do autor, as adaptações são marcadas pela emoção e cuidadosamente produzidas, graças ao esmero e competência de uma equipe que trabalha junta desde Concerto Campestre. Desta vez, o que temos é o Rio Grandeem pura essência, em que o fluir das histórias também mostra o cotidiano da vida no campo, nossas manifestações e costumes. Quem já viu afirma que é um material e tanto para os educadores abordarem a nossa identidade cultural junto às novas gerações.

Onde foi a locação do filme?

Filmamos em 3 etapas, em Pelotas, São Gabriel e Piratini, em muitos locais diferentes. Os episódios que faltam devem ser realizados em Pelotas e Jaguarão.

Quem compõe o elenco do filme?

O elenco é uma homenagem aos atores gaúchos, com a honrosa exceção de Ingra Liberato, baiana de nascimento que adotou o Rio Grande como pátria. Há gente experiente e conhecida, como Leonardo Machado, Juliana Thomaz, Roberto Birindelli, Tiago Real, Renata de Lelis, Evandro Soldatelli, Miguel Ramos, Lurdes Eloy,Nelson Diniz, Sissi Venturin, Rafael Tombini e Ida Celina, atores experientes, mas pouco conhecidos, como o santanense J.N.Canabarro, novos talentos, como Tom Perez e Lindsay Gianoukas, e a participação de artistas consagrados em outros domínios, como o cantor e compositor Cristiano Quevedo, que estréia no cinema.

Com eles, mais de 600 pequenos papéis e figurantes selecionados nas cidades em que filmamos, responsáveis pela autencidade e força da encenação. É o elenco mais dedicado e convincente com quem já trabalhei. Ninguém desafina e há momentos antológicos.

Como foi o financiamento da obra? Os parceiros para a realização

Em anos tão difíceis como os que temos vivido, em que os principais instrumentos de fomento à cultura vivem crises inéditas, só conseguimos chegar à matriz digital do filme, que ainda deverá passar pelo processo que culminará com as cópias em 35 mm, graças ao apoio de empresas como o Grupo Ceee, Celulose Riograndense, Randon, Banrisul Consórcio, Sulgás e BRDE, a quem dedicamos nosso eterno agradecimento. A Planalto Transportes contribuiu com a logística em algumas etapas e tivemos apoio das Prefeituras das cidades que nos acolheram, Pelotas, São Gabriel e Piratini, com destaque especial para a última, que honrou sua condição de Primeira Capital Farroupilha.

A temática da historia, do folclore está fortemente presente em teus trabalhos. No meio cinematográfico, como é a aceitação de obras regionalistas?

O conceito "regionalismo" é uma categoria que vem perdendo significado e só se explica sob a perspectiva histórica. Se serviu na primeira metade do Século XX para rotular as manifestações de partes do Brasil fora do eixo Rio/São Paulo, no mundo moderno, marcado pela agressiva emissão de conteúdos que visam uniformizar o planeta contra a persistente produçãoartística que busca manter a diversidade cultural, perdeu a razão de ser.

A produção ficcional de Simões Lopes Neto, que antecipou em mais de 30 anos escritores designados modernistas, como Guimarães Rosa, hoje é reconhecida como uma valiosa reflexão sobre a condição humana sob um ponto de vista especial e linguagem literária única. No meio cinematográfico local e brasileiro, é notável a dificuldade de obter reconhecimento para os filmes que tenho feito. Mesmo Concerto Campestre, que retrata a saga de um estancieiro do Século XIX que se apaixona pela música erudita e constrói uma orquestra de camara para seu deleite pessoal, teve críticas severas da crítica paulista e carioca e foi solenemente desprezado por parte da "inteligentsia" ambientada na Capital gaúcha, cujo sonho maior é viver em Nova Iorque. Menos mal que o filme foi vendido para a Europa, Estados Unidos, China, Russia e America Latina, que souberam desfrutar da obra, e se transformou num clássico da nossa cinematografia.

Independente de seus méritos narrativos, é o único registro visual sobre o ciclo economico e cultural formador do Rio Grande, o das Charqueadas pelotenses. Ao buscar financiamento para produzir os dois episódios que faltam dos Contos Gauchescos junto ao FSA - Fundo Setorial do Audiovisual, há poucos meses atrás, tive de ouvir a máxima de que Simões Lopes Neto só interessa aos gaúchos (!) Vita brevis, ars longa. Tenho a convicção absoluta de que meus filmes continuarão a ser vistos pelas novas gerações mesmo depois da minha partida desta vida, ao contrário de muitas "criações" vazias e descartáveis que a mídia tenta nos impingir.

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