terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

O confeiteiro e o músico: Como ligar Pietro Ferraro à Juliano Gomes?

por Henrique Fagundes da Costa

   Eu gosto de História, vocês sabem! Esse texto não começa na semana passada, depois de uma postagem no facebook do músico Juliano Gomes. A postagem se referia a um café passado com o auxílio de um filtro plástico e colorido – não lembro a cor, mas isso não vem ao caso. Então, antes de entrar no nosso tema, vamos com uma boa e bela história. 

          O ano era 1946. A Europa devastada pela guerra, buscava a todo custo voltar à normalidade, ou ao seu novo normal. Pietro Ferraro, um confeiteiro local enfrentava um problema, um reflexo da guerra: a falta de cacau para suas receitas. Na falta do fruto tropical, Pietro fez alguns testes e optou por um substituto, a avelã. Dessa alteração, nasceria uma espécie de pasta batizada Giandujot. Poucos anos depois, em 1951, foram feitas novas alterações e a pasta ganhou um novo nome: Supercrema. Em 1964, Michele, filho do confeiteiro faria novas alterações na já consagrada receita do pai e, na cidade italiana de Alba, distante apenas 63 km de Turim – onde está o Santo Sudário – seria lançado um dos produtos de maior sucesso no mundo: a pasta de creme de avelãs Nutella. Oriundo do fruto das aveleiras, a pasta de avelã se tornou um sucesso imediato, ganhando a Europa e depois o mundo – hoje a iguaria chega em 75 países e acreditem, possui até um dia internacional próprio para celebrar a marca.

           Vocês devem estar se perguntando para que rumo vamos tomar com esse texto? A nossa língua, ou mais precisamente nossa comunicação é extremamente mutável. Novos elementos surgem das formas mais inesperadas possíveis. Mesmo sem um consenso ou algo do tipo, nós passamos a usar essas variantes. Os Emojis são um bom exemplo do que quero dizer. Mas também nomes de marcas dos mais variados tipos de produtos perdem seu papel primitivo, para ganhar uma segunda função de adjetivo. 57 anos após o lançamento da consagrada pasta de avelãs, Nutella quer dizer também tudo e todos aqueles que não são raiz. Mais um problema, vocês já viram. Raiz pode ser de uma árvore. Pode ser uma representação matemática, pode ser confundida com origem, quando se fala de anatomia. Pode ser também uma parte invariável e comum às palavras da mesma família, portanto com aplicação na gramática. Raiz também pode se aplicar ao sujeito ou objeto “raiz”. Nem sei, na verdade, se precisava de aspas na palavra raiz, pois vocês entenderam o que quero dizer. Logo se cria um universo oposto, repelente. Uma espécie de disputa visceral. Raiz versus Nutella. As Redes Sociais foram um dos maiores adventos do nosso século. Bilhões de dólares orbitam na constelação das grandes empresas do setor. E bilhões de pessoas mundo afora trazem sua vida, com mais ou menos ênfase; também com mais ou menos veracidade.

         Mas voltemos ao Juliano Gomes. Ao postar sua foto, tranquilamente passando seu café, numa manhã qualquer em Santana do Livramento, logo surgiram os primeiros comentários: que passador Nutella. Nossa, o Juliano Gomes (entenda-se gaúcho) usando um passador desses... Um outro: mas o meu é raiz. É o gancho perfeito para o que costumo brincar de uma expressão que inventei, e ainda não sei bem o que significa: a síndrome Martín Fierro.

          Publicado pela primeira vez em 1872, o livro revolucionou o cenário gauchesco ao apresentar em versos, precisamente sextilhas, a vida de um gaúcho simples e que se depara com situações que acabam por transformar sua vida. Uma luta titânica de um camponês, arraigado com suas tradições, mas que se vê cercado por um mundo em transformação. Um mundo injusto, é verdade. Um mundo que busca um xeque entre seu modo tradicional, autóctone de vida frente ao civilizatório e que inevitavelmente leva o personagem aos maiores padecimentos. É um livro triste. Ele narra as fases da vida de Martín com uma boa dose de exaltação a tudo aquilo que é para ele natural para tão logo virar o jogo, como um castelo de cartas que se vai. A nossa síndrome, como comentei, ainda está inacabada, mal descrita e talvez até mal pensada. Ela tem algo de parecido com o nosso sentimento gaúcho. Temos falhas. Algumas respostas e mesmo sentimentos estão nesse mesmo momento, como um castelo com as mesmas cartas prestes a cair.

P.S. Pra ti que leu até aqui? Celular ou computador?

Henrique Fagundes da Costa,  Fevereiro de 2021

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