terça-feira, 14 de junho de 2016

Simões Lopes Neto, um poeta moderno, mesmo antes do Modernismo

 
         O contato que teve João Simões Lopes Neto com a vida do campo, o conhecimento da terra e da gente, possibilitou traduzir, com relativa fidelidade, a realidade do homem campesino. Sua obra revela, tanto no plano linguístico como na abordagem de temas, um equilíbrio que o torna merecedor do título de criador do regionalismo gaúcho, já que, transcendendo o mero localismo, JSLN apresenta o gaúcho numa perspectiva universal. Sua obra, embora escrita em tom telúrico, demonstra não só o apego à terra, mas ultrapassa os limites regionais, retratando os  conflitos humanos, que são iguais em qualquer lugar.

          A parte mais significativa de sua obra corresponde à produção de “Contos Gauchescos”, coletânea de dezenove pequenas histórias narradas pelo vaqueano Blau Nunes, “alter ego” do Autor. Nesses contos, SL fixou o mundo rio-grandense com toda a sua oralidade e mitologia.

          Em “Contos Gauchescos”, o protagonista relembra o passado para situar-se no presente: o início do séc. XX, com o campo repartido, a cidade crescendo e a indústria repropondo, em novas bases, o poder do capital. Blau tenta explicar, tanto “as cousas que ele compreendia, como as que eram-lhe vedadas ao singelo entendimento”. Por isso, se espanta e exclama, para e se interroga, interrogando, também, o leitor.

          SL é, portanto, moderno antes do Modernismo, paradoxalmente, pela força do seu apego à tradição, entre outros traços de sua modernidade. Dentre eles, a instituição da figura de dois narradores: um que aparece apresentando Blau e outro que é o próprio Blau narrando seus “causos”. Porém, a questão mais intrigante é outra: onde começa um e termina o outro? Blau entra em cena já a partir do segundo parágrafo ou toda a “apresentação” é do outro, que vem de fora daquele ambiente?

          É através deste clima que o leitor-comum começa a ler como quem entra em uma roda de galpão. Neste sentido, o Autor é muito perspicaz. O leitor não consegue “livrar-se” do que lê, pois sempre quer saber mais e mais. Outro fato bastante relevante é o poder persuasivo da obra, pois tendo os gaúchos estes aspectos telúricos tão enraizados em seu cotidiano, acabam por identificar-se com as histórias e apaixonar-se pelos causos que, na maioria das vezes, chegam a emocionar.

            O Autor não teve reconhecimento na sua época. Viveu em dificuldades financeiras durante toda a vida adulta, herança de uma família aristocrata decadente. Fazia, como ele mesmo denominava, “bicos”, escrevendo matérias para jornais, usando pseudônimos, como “João Felpudo”. Teve peças teatrais (a maioria delas comédias e sátiras) descobertas só a partir da déc. de 70. Como empresário foi um verdadeiro fracasso. Quando veio a falecer, foram publicados pelo jornal “A Opinião Pública”, onde trabalhara até morrer, apenas dois projetos escritos por ele. Um didático, dedicado à instrução primária, e outro sobre piscicultura, que para o referido jornal “bastavam para formar a reputação de João Simões”.

          Conforme nos disse Hilda Simões Lopes “tratava-se de um poeta e, em terra de charqueadores e fazendeiros, queriam-no empresário.”. Mas hoje, quando comemoramos o biênio Simoniano, render-lhe homenagens é ainda pouco. Um visionário, um homem à frente de seu tempo. Escritor de talento ímpar, que com coragem e pioneirismo incontestáveis compilou da oralidade a história de um povo e a partir dela, fez literatura. Reconhecer sua grandiosidade e as inegáveis excelências de sua obra é mais do que uma obrigação. É o pagamento de uma dívida histórica.

Texto de Renata de Cássia Pletz
Para o Eco da Tradição de junho

Um comentário:

Carlos Fernando P. Gonçalves disse...

O texto de Renata Pletz evidencia não apenas a inequívoca falta de um maior reconhecimento da importância da obra de Simões Lopes pelos estudiosos da literatura brasileira, mas principalmente a necessidade de nós, gaúchos, termos um contato bem mais aprofundado com o que o escritor produziu. Pode-se afirmar também que mesmo nos meios literários do Rio Grande do Sul, tradicionalistas, nativistas ou culturais de contemporaneidade, ainda existe uma lacuna considerável entre a real consciência da importância que a obra simoniana tem para os sulinos e sua identidade e o que tudo isso representa para a produção literária brasileira como um todo. Blau Nunes precisa ocupar o mesmo espaço que Riobaldo, ( "Grande Sertão:Veredas", de Guimarães Rosa), ocupa no cenário da protagonização literária nacional.
Fernando Poeta Gonçalves