quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Da aldeia para o mundo - Rodrigo Lopes, um homem com os olhos no todo

 
Rodrigo Lopes começou ainda jovem a cobrir zonas de conflito | Foto: Arquivo pessoal
        Não foi uma entrevista, foi uma aula. Durante uma hora, na manhã de terça-feira, 08 de outubro, o jornalista Rodrigo Lopes disponibilizou o seu tempo, em uma das salas da redação de ZH, para responder a perguntas sobre o cenário político e econômico mundial e os reflexos no Brasil. Formado na UFRGS, em 2001, com especialização em jornalismo literário pela Academia Brasileira de Jornalismo Literário, o jornalista esbanja carisma e fala com a naturalidade de quem conhece profundamente os temas.


          Considerado um homem do mundo, Lopes estudou o jornalismo ambiental em um curso de dois meses em Berlim, na Alemanha, no Internacional Institute for Journalism. Também é mestre pela Unisinos e trabalha na RBS há 22 anos, veículo no qual consolidou sua carreira e onde acabou se especializando na cobertura internacional, inclusive em zonas de conflito.

          Sua primeira pauta internacional depois de formado, a eleição da Argentina, em 2003, lhe rendeu o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei de Espanha. Autor do livro Guerras e Tormentas, no qual relata os bastidores das coberturas e sua experiência como correspondente internacional, é, também, professor do curso de jornalismo na FADERGS.
Foto: Rogério Bastos

          Seu amor pelo jornalismo, especialmente o internacional, começou muito cedo. Lopes conta que, ainda criança, nos tempos de escola, gostava muito de disciplinas como história e geografia, idiomas e culturas. Enquanto os amigos colecionavam álbuns de figurinha de futebol, o jovem e curioso Rodrigo ansiava por conhecer o mundo e se dedicava a colecionar também álbuns de figurinhas, no entanto, com informações gerais — população, capital, língua, religião, etc — sobre os mais variados países.

        Entre seus modelos, o jornalista de 41 anos aponta a prima Simone Lopes, que é, também, jornalista e trabalha há muitos anos em São Paulo, atualmente na área de produção de TV. Além de fonte de inspiração, Simone presenteava Lopes com as camisetas de imprensa que usava durante as coberturas. “Eu achava aquilo o máximo. Eu gostava desse mundo”.

        Ele conta que tinha pilhas de jornal em casa — guardava todos os colecionáveis produzidos pela Zero Hora sobre fatos marcantes, como a morte de Ayton Senna e o acidente do grupo Mamonas Assassinas — talvez, prevendo seu destino como correspondente internacional e editor do veículo.

         Referência como jornalista multimídia, Rodrigo Lopes domina todas as plataformas e já cobriu os principais eventos internacionais deste início do século XXI — desde a morte do Papa João Paulo II até os conflitos na Venezuela. Do excelente texto jornalístico e literário às entradas ao vivo para a tevê, Lopes é um exemplo a seguir, um farol, para todos os alunos de jornalismo que pretendem atuar como repórteres.
Rodrigo Lopes passando sua experiencia. Entrevistadora: Liliane Pappen  foto: Rogério Bastos


Acompanhe a entrevista (e ouça) com o jornalista Rodrigo Lopes.


     Rodrigo, como foi a escolha pelo jornalismo e por que a pauta internacional?

          Fiz um teste vocacional, deu a comunicação, embora fosse um cara muito tímido, e informática aplicada a isso. Então, optei pelo jornalismo. No primeiro semestre entrei aqui na Zero Hora, como office-boy da redação, e foi aqui que eu fui ficando. Tive a oportunidade, um convite para trabalhar na Editoria de Mundo, depois de um ano e meio, como tradutor. E aí eu via que a editoria de um mundo de um jornal regional como a Zero Hora era muito receber das agencia de notícias os textos prontos e só traduzir, e eu queria fazer as minhas próprias matérias, então eu comecei a fazer entrevistas por telefone com gaúchos, ou brasileiros, que estavam pelo mundo em alguma situação. Por exemplo: aconteceu o tsunami na Ásia, então eu achava o brasileiro lá que tinha vivenciado aquilo para ter um olhar exclusivo e tentar aproximar, isso que a gente tá fazendo na nossa entrevista, aproximar O fato internacional do fato local.

           Então houve um golpe de Estado no Paraguai, eu tentava achar alguém que contasse aquilo de perto. Assim eu fui descobrindo, dando alguns ‘furos’ na área internacional.

           E aí, eu estava querendo me formar logo para poder assinar as matérias, porque eu era estudante e não podia assinar.

           No momento que eu me formo, eu vou para primeira cobertura, que foi na Argentina, a primeira eleição pós-crise econômica na Argentina, a crise do final dos anos 90, e eu dou a esta série de reportagens que produzi lá, o nome de ‘Uma nova chance para a Argentina’, e essa série ganhou o prêmio Rei de Espanha.


           Eu tinha 24 anos e isso, de certa forma, acabou abrindo caminho para outras coberturas internacionais. Ai vem, em 2005, a morte do Papa João Paulo II, o furacão Katrina, a guerra de Israel e Hezbollah (2006), a eleição do Obama. Em 2010, o terremoto no Haiti. Eu não sabia se eu gostava muito de tevê, rádio ou jornal, então eu fui entrando onde dava, e isso que se tornou uma vantagem, porque daí eu fui vendo que tu não precisa escolher a mídia, tu pode se tornar multimídia.



      Recentemente você passou por uma situação bastante tensa na Venezuela, como é que foi essa experiência?

           É curioso, porque apesar de toda a experiência que eu comentei de guerras, catástrofes, terremoto, furacão, eu pensava: o mais falta cobrir? Na Venezuela, eu já tinha coberto a situação de golpe de Estado, estado de sítio, em Honduras, então, tem uma relativa tensão, mas não é uma guerra. Tu sabe que tem que tomar alguns cuidados.

          Eu fiquei sabendo que tinha um comício do Guaidó, ao meio-dia. Era a primeira aparição dele depois da autoproclamação como presidente, dois dias antes. Então, eu chamei o motorista. A Venezuela, Caracas, numa situação assim de dificuldade econômica, para conseguir um chip de celular tinha que ficar quatro horas na fila, mas razoavelmente calma. Não tinha conflito nas ruas. Algumas manifestações, mas muito pouco. Aí fui para o comício do Guaidó, transmiti de lá vídeos e fotos.

          Voltei pro hotel, fiz uma matéria mais consolidada, e lá pelas 5 horas da tarde, eu estava com o dia ganho e cansado da viagem, porque tinha sido naquela madrugada anterior, não tinha dormido ainda, mas eu tava pagando muito caro pro meu motorista, então eu pensei assim: cinco horas da tarde, eu vou dar uma volta pela cidade, sem compromisso de mandar matéria, para sentir um pouco do clima de Caracas. Especialmente, eu queria conhecer aquela região ali entre o palácio de Miraflores e a Assembleia Nacional, que é o parlamento, onde tinha o tinha o presidente Maduro, em um, e o Guaidó, autoproclamado presidente, e presidente do parlamento.

        Chegando ali, de carro, tinha uma manifestação pró-maduro. Eu pensei: será que eu posso fotografar, ou não? Eu já tinha feito trabalho no Guaidó, pensei, é a chance de fazer jornalismo, mostrar o outro lado, e mostrar que o Maduro também tem um apoio.

        Tirei o celular do bolso e fiz três fotos da manifestação, quando eu botei no bolso de novo, vieram três caras pra cima de mim, perguntando quem eu era. Eles usavam roupas vermelhas, de cara eu senti que era gente do governo, das milícias do Maduro, e aí eu já vi que ia dar problema. Eu já disse: Não, só tirei uma foto, sou turista. Eu apago a foto. Quando eu fui apagando, eles já estavam pegando as minhas mãos com o celular. Conforme eu apaguei as três fotos que eu havia feito foram aparecendo as do comício do Guaidó, aí ele disse: ah, militante da oposição.

        Eu disse que não, me apresentei como jornalista, foi a primeira vez que me identifiquei como jornalista, e aí já me mandaram acompanha-los para dentro da área de segurança, que era uma zona fechada por militares, na rua, na frente do palácio, e já o meu motorista não pode passar. Veio um cara do serviço de inteligência, provavelmente, o SEBIN, que é o serviço de inteligência bolivariano, e começou a me interrogar. Eu disse que era jornalista brasileiro e queria falar com Embaixada do Brasil, aí eles começaram a dizer que o governo brasileiro não reconhecia o presidente Maduro, e então, a coisa foi ficando feia.
Eu pedi desculpas e disse que só queria meu celular de volta para ir embora. Dizia: Se vocês me liberarem, hoje mesmo eu vou embora agora do país, desculpa estar aqui. Aí eles disseram: não, nós vamos colocar na prisão pra tu aprender o que é bom. Me conduziram para dentro do quartel, ainda numa antessala. Ali eu fui interrogado por outro militar que me tirou o passaporte. Aí eu já fiquei sem nada. Então, veio aquele primeiro militar do SEBIN e me levou para uma outra sala, aí sim, dentro do quartel.

         Ali eu achei que a situação fosse mais complicada, porque eu já não tinha mais celular, não tinha mais passaporte, ninguém do meu jornal sabia que eu estava ali, o meu motorista estava na frente, mas não tinha o contato do jornal. Eu fui entrando cada vez mais no espaço deles, ali eu achei que eu ia ficar preso por tempo indeterminado, sem contato com a Embaixada, sem meu passaporte, sem meu celular, sem condições de falar com ninguém e isso em angustiava muito, e com medo de eles enxertarem alguma coisa no celular, alguma foto comprometedora, ou mesmo drogas para configurar algum tipo de crime. Foram, no total, duas horas, eles vieram até mim, me ficharam, me fotografaram, e disseram que se eu fosse pego de novo nessa situação, eu ia responder o processo na Venezuela.

          Então, numa pequena ousadia falei: ah, agora vocês viram quem eu sou, posso ir ali fazer uma foto da manifestação e mostrar que o presidente de vocês também tem apoio? E eles responderam: Não! Aqui tu não pode fazer mais nada.


          Quando me liberaram fui para o hotel, relatei aos meus editores o que tinha acontecido e nós tomamos a decisão voltar, pois qualquer coisa que eu fizesse lá seria pretexto para ser preso novamente.



Pela tua experiência, de que maneira a política internacional tem efeitos no Brasil, tanto da Venezuela, quanto a política dos Estados Unidos?

          A minha tese é que nós ainda vivemos período confuso. A Guerra Fria acabou, com queda da União Soviética, a queda do muro de Berlim, em 1989, mas ainda a gente vive uma lógica de Guerra Fria. O mundo ainda bipolar entre direita e esquerda e seus extremos.

           Todo aquele sonho que se tinha pós-segunda Guerra Mundial, de um ambiente de paz e colaboração onde o maior exemplo disso é a União Europeia, por exemplo, onde se teria uma entidade supranacional que tiraria parte da autoridade, da soberania, dos países, dos Estados, em que estados que fazem comércio entre si, o livre comércio, a democracia, esses estados que têm esse tipo de relação, não vão produzir novas guerras.

         Então, esse foi o princípio liberal pós-segunda guerra Mundial em que se acreditava que, um dia, se chegaria a uma paz duradoura. Eu acho que isso, de certa forma, está retrocedendo, então, já tem países e populações e governos que questionam que esse seja um modelo adequado. Se acha, por exemplo, no Reino Unido, na Itália, na Grécia, na Hungria Polônia, que são países onde forças conservadoras assumiram o poder, que acham que o estado cedeu demais soberania para este ente supranacional que é a União Europeia. Então, se deu demais e, por isso, se perdeu características nacionais.

          A esquerda vista como um movimento pró-integração global, ironicamente, porque essa é uma ideia liberal, e a direita, mais conservadora, no sentido de resgate dos princípios nacionais. E isso se reflete nos Estados Unidos, com a eleição do Trump, e no Brasil, com a eleição do Bolsonaro. Então, existe um mundo que havia dado uma guinada, de certa forma, mais progressista, e hoje o pêndulo da história volta para um lado mais conservador. Só que, ao mesmo tempo, eu acho que é impossível esse retorno aos nacionalismos, o mundo é cada vez mais global.

          Acho que não tem volta essa globalização, que é diferente do globalismo, em que se acredita que as forças nacionalistas conservadoras, tipo Bolsonaro e Trump, o Urban, na Hungria, o Salvini, na Itália, estão ligadas, existe esse elo. Eles dizem que a globalização é um processo normal, econômico, e tudo bem, que não são contra a globalização, mas o globalismo seria o seguinte: que em algum momento, nos anos 50, 60, se fez um acordo, um conluio, um plano de, já que nós não conseguimos fazer uma revolução comunista por meio da política, vamos fazer por meio das ideias.

        Então, essas forças de esquerda progressista teriam começado a penetrar na mídia, nas universidades, nas empresas, que é o que eles chamam de marxismo cultural, então, para dominar o mundo, de certa forma, com forças progressistas, o resultado disso seria a libertação da mulher, o uso da pílula, a revolução feminista, maio de 1968, isso é o globalismo, e quem acredita nessa teoria, quem acredita nisso, acha que o mundo deu uma guinada à esquerda e que precisa retornar.


         Nós estamos inseridos nesse contexto global, o Brasil é braço sul-americano de um movimento conservador que tenta se expandir pelo mundo em oposição a essas forças progressistas, que de certa forma, ocuparam um lugar na segunda metade do século XX.



Você não acha que essas forças progressistas têm mais a ver com a percepção de valores que o ser humano tem buscado resgatar, especialmente após a segunda grande guerra em que nós presenciamos o holocausto e tantas outras atrocidades?

           Sim. Eu acho que é irreversível esse processo porque todo mundo é cada vez mais interconectado. Os princípios que basearam a fundação das Nações Unidas, por exemplo, em 1947, pós essas atrocidades são princípios de humanismo, de direitos humanos, de não violação, de que mundos conectados não fazem guerra. Eu acho que estas forças que acreditam que isso é retrógrado, que isso é errado, estão no lado errado da história.

           Minha percepção é de que não se pode retroceder os princípios humanistas e de respeito aos direitos humanos, de igualdade, de liberdade — de imprensa e expressão — de fraternidade, que tem sua origem lá na Revolução Francesa. O racionalismo é isso.

           Todo o resto, e aí eu acho que o jornalismo se insere muito nisso, porque o jornalismo surge das ideias de liberdade, de racionalismo, de defesa das minorias, de defesa da liberdade de expressão e de imprensa, então, nós, como jornalistas, eu acho que a gente não pode recuar nesse sentido, né? E essas forças conservadoras, eu acho que colocam em risco todo esse princípio que se forjou ao longo dos últimos anos e que, de certa forma, garantiu que o mundo não tivesse grandes guerras de novo.


Na contra mão de tudo isso nós temos um presidente que é de extrema direita. De que maneira a comunidade internacional vê a postura do presidente Bolsonaro?

           O Bolsonaro surge nesse momento junto com as outras forças, o Trump nos Estados Unidos, especialmente, que é quem ele olha, ele elogia, ele imita. E essas outras forças na Europa, o partido do ex-primeiro-ministro da Itália e ex-vice-primeiro-ministro da Itália, o Salvini, o Victor Urban, da Hungria, o Benjamin Netanyahu, em Israel, são os caras da direita ou da extrema-direita.

           O Brasil viveu, calculando aí governo Dilma e Lula, 14 anos de um governo que também era inserido numa lógica de América Latina em que havia forças progressistas em praticamente todos os países, a chamada Onda Rosa, que tinha o PT no Brasil, que tinha o Kirchner na Argentina, Bachelet no Chile, Pepe Mujica no Uruguai, Hugo Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia, então, tu tinha a chamada onda rosa.

          O continente todo deu uma guinada conservadora, chamada Onda Azul, que é daí a ascensão de forças de centro direita e de direita no Chile, no Uruguai e na Argentina. Só a Venezuela e a Bolívia que continuam sendo, ainda, bastiões de esquerda.

            Acho que o Bolsonaro é também fruto de anos de desencanto da população com o PT, dada a corrupção, e também, daí que eu acho mais perigoso que o desencanto com um partido político em especial, o desencanto com a instituição política. O Brasil e os brasileiros estão desencantados com a política, com a democracia, como os partidos tradicionais, com a imprensa, e aí começa uma falência das instituições, que eu acho mais perigoso, porque é um risco para democracia.

           O mundo tá vendo o Brasil e o Bolsonaro com desconfiança, porque há uma ruptura da tradição brasileira de diplomacia, de conversar com todo o mundo. O Brasil sempre conversou com todo o mundo, sempre foi amigo de todos. Negociava com a China, mas negociava com os Estados Unidos. Negociava com os árabes, os palestinos, mas também negociava com Israel. Tu não precisa escolher um lado.

           Por isso que eu digo que existe uma lógica de Guerra Fria, o mundo não é mais bipolar — ou é meu amigo, ou meu inimigo — o negócio é conversar com todo mundo. Tu não precisa te filiar ideologicamente com a China, que é uma ditadura comunista, para negociar com esses caras.



De que maneira esse relacionamento, essa proximidade, entre o Brasil e os Estados Unidos afeta as relações comerciais do país com outras nações?

           O Brasil sempre adotou o pragmatismo que é negociar com os Estados Unidos, mas não fechar as portas para China. Negociar com Israel, mas não fechar as portas com os árabes, porque o Brasil, especialmente o Rio Grande do Sul, tem muito interesse na questão da carne e na exportação de carne. No caso da China, a exportação de soja.

            A relação com os Estados Unidos sempre foi problemática, sempre foi de amor e ódio, ao longo da história. O Brasil sempre teve momentos de maior aproximação e de menor aproximação com os Estados Unidos que são a potência hegemônica na América Latina. Tudo que eles fazem, afeta a América Latina.

            Durante os 10 anos de governo Bush, os Estados Unidos pós-atentados de 11 de setembro estavam mais preocupados com o que estava acontecendo no Oriente Médio e na Ásia Central, com o Afeganistão, e, então, meio que descuidou da América Latina, entre aspas, para o bem e para o mal.

           A América Latina volta a preocupar os Estados Unidos no momento em que há uma crise pontual, que é a Venezuela, e que os EUA gostaria que o Brasil resolvesse, porque eles não querem se meter em guerra aqui. Eles acham que a América do Sul é o Brasil que tem que assumir.

           Na América Latina, de certa forma, essa relação é sempre tensa, de maior aproximação, de menor aproximação. O governo do presidente Lula e da Dilma teve uma menor aproximação com os Estados Unidos. Uma relação comercial normal, mas uma relação de afastamento político. O Bolsonaro vem com uma ideia de um alinhamento automático com os Estados Unidos, o que é perigoso, na minha opinião, porque tu fecha portas.


Falando da China, a ação chinesa na Organização Mundial do Comércio pode comprometer o papel dos Estados Unidos como grande potência mundial?

            A China tem se mostrado, até agora, um país que durante anos ficou quietinho, aprendendo a fazer, copiando, muitas vezes, o modo de fazer dos americanos, dos europeus, enviando cidadãos para o mundo inteiro, para conhecer como é que é, e esses cidadãos voltam com o expertise e produzindo muito conhecimento.

            Agora ela está se mostrando ao mundo. Do ponto de vista econômico, primeiro, e eu fiquei um pouco preocupado com aquele desfile da semana passada, no aniversário de 70 anos da China comunista, em que eles exibiram um grande arsenal militar, inclusive com míssil capaz de atingir os Estados Unidos em 30 minutos, em qualquer ponto, que foi uma grande exibição e um grande recado pro mundo em geral e pros Estados Unidos, em particular, de que “nós chegamos chegando”.

             Então, me parece que a China está exibindo as suas garras agora não só mais na OMC, mas no palco geopolítico mundial, militar, inclusive, com interesses em áreas que eles consideram seu entorno estratégico que é o sul da China, onde os Estados Unidos têm interesses como Taiwan, Filipinas, toda aquela região do sul da China, que é o mar no sul da China. E ali é uma região que os Estados Unidos têm muita hegemonia.

             Só que aquilo ali a China considera. Hong Kong, por exemplo, está no sul da China, é um enclave capitalista dentro de um país comunista, porque a China está mostrando que não vai suportar uma independência, não vai perder aquele território, até porque muito do dinheiro internacional entra por ali.

           A China é uma oposição aos EUA, uma ameaça, mas muito mais que isso ela está se colocando como uma grande opositora à hegemonia do ocidente. Não estou achando que isso seja ruim, só estou analisando que está ameaçando sim, a hegemonia dos Estados Unidos, e aí, claro, o Trump grita como pode, tentando impor barreiras comerciais. O Trump está se sentindo acuado e tenta ainda manter a ideia dos Estados Unidos como potência ocidental.


E essa disputa entre China e Estados Unidos pode beneficiar o Brasil?

        Pode. Sempre tem essa possibilidade. Se o Brasil souber aproveitar, se ele não se alinhar automaticamente com um ou outro lado, ele pode tirar proveito dos dois. Essa é minha percepção. Eu não sei se ele vai conseguir. Eu não sei se o governo Brasileiro vai conseguir, eu não sei se o próprio Trump não vai exigir um casamento perfeito, esse alinhamento direto — Ah não, ou tu compra nossa, ou tu compra da China. Daí eu acho complicado, porque a tradição brasileira é essa, negociar com os dois.

          Se o Brasil souber tirar proveito, aproveitar as facilidades desse tipo de negociação, de um lado e outro, saber barganhar, que sempre soube, eu acho que consegue tirar proveito. Por que, ao mesmo tempo em que o Brasil tem esse alinhamento com os Estados Unidos, o Brasil participa do BRICS, que estava forjando um banco agora, e que inclui África do Sul, Índia, Rússia e China então, é tudo que o que os Estados Unidos não querem, especialmente a Rússia e a China, e como é que o Brasil vai lidar com isso, vai sair do BRICS?


Na tua opinião, tu achas que o Brasil tem condições de adotar um sistema político e econômico de estado mínimo e livre comércio, similar aos Estados Unidos, ou a própria política americana?

            Não. Acho que não. A história brasileira é uma história de subdesenvolvimento e os países que tiveram esse histórico de subdesenvolvimento, a história conta que quando imprimiram o livre comércio total, estado mínimo, nos anos 80, foram à falência. Então, quando o Brasil e outros países da América do Sul, como Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai adotaram o “Consenso de Washington”, que eram essas ideias liberais acabaram ficando uma dívida externa, hiperinflação e ficando reféns do fundo monetário internacional (FMI ). Então, quebraram.

           O Brasil não quebrou, mas porque conseguiu, de certa forma, se manter, mas teve uma hiperinflação. A gente sabe o que foi os anos 80, a década perdida no Brasil. Mas Argentina quebrou. Então, eu acho que não. Não tem como ir para esse caminho. Eu acredito que o melhor seria a socialdemocracia.



Enquanto o mundo se une para preservar a Amazônia o governo brasileiro parece ignorar a real importância da floresta quais os reflexos disso mediante a comunidade internacional para o Brasil?

           Quando o Macron, presidente francês, falou assim: “A nossa casa está queimando!”, não quis dizer a “nossa casa — a Amazônia é nossa”. O que ele quis dizer é justamente essa ideia de que é assim hoje em dia, ele se referiu ao planeta. O que acontece no Brasil tem reflexos da China, o que acontece nos Estados Unidos, tem reflexo na Europa. É uma ideia que, as forças conservadoras acham que é o globalismo, “o que é meu é meu, a Amazônia nossa”. “Não venham aqui dar pitaco no que não é de vocês”.

            As guerras provocam migrações e refugiados, então, a gente viu agora a guerra no norte da África e no Oriente Médio, leva uma onda de pessoas a migrarem para a Europa. Então, isso é um problema da Europa, também. E a questão do meio ambiente é isso. Não é eu não se questiona que a Amazônia seja um território brasileiro, de soberania nacional, só que daí o governo usa esse discurso para acirrar os ânimos internos, dentro de um princípio de colocar todos contra nós e, nós contra todos.

           Então, acaba que esse discurso cola só numa visão muito tacanha da política internacional, né, problemas transfronteiriços devem ser decididos e tratados de forma global, em minha opinião. Acho que houve excessos por parte da crise da Amazônia, se espalhou muita fake news, muitas imagens antigas, as próprias celebridades foram para redes sociais como Cristiano Ronaldo, se não me engano, usando fotos de antigas.

           A gente sabe, é fato que a Amazônia, ciclicamente, neste período do ano, tem incêndios mais fortes. OK. Isso acontece. É fato científico também que este ano o número de focos de incêndio, aumentou. Uma coisa não precisa anular a outra. O que acontece é que, tu tem um governo, como nos Estados Unidos também, que desdenha dos dados da ciência, que não acredita em dados científicos do próprio governo. Do próprio Instituto Nacional de pesquisas — o INP, por exemplo.

            Eles dizem que isso está a serviço do globalismo, está a serviço de interesses internacionais, então, quando tu começa a duvidar da ciência, tu caí no obscurantismo, cai naquele mundo de recuo no humanismo, do racionalismo, então eu acho que o Brasil passou uma imagem de país de quinto mundo, nessa crise na Amazônia. Não soube gerir e deu respostas atrasadas. Um governo que é exercido por um ex-militar, um militar da reserva, demorou duas semanas para colocar os militares para apagar um incêndio, por exemplo, isso deveria ter sido feito no terceiro dia.


Quais os prejuízos das fake news no atual cenário político e econômico?

        As fake News só existem porque os boatos sempre existiram, a mentira sempre existiu. Hoje, o que existe é boato e mentira sendo transmitida em altíssima velocidade, com capacidade de capilarização muito grande e que chega a locais que são, às vezes, fechados, como o WhatsApp. Não é um discurso aberto, não é público. Então, eu acho que o WhatsApp é o melhor lugar para transmitir a noticia falsa e o pior lugar do ponto de vista de esclarecimento.

         Porque nas redes sociais, se viveu uma época, de 2011, que as elas eram as grandes libertadoras da comunicação, porque a miniaturização dos equipamentos, deu acesso de qualquer lugar as pessoas produzirem conteúdo, as pessoas faziam fotografia.


        Em regimes autoritários, as redes sociais eram quase uma fresta de luz, assim na escuridão, porque, já que não tinha jornalista no Irã, na Síria, na Líbia, era por meio das redes sociais que os cidadãos conseguiam se comunicar, marcar protesto, lugares para ir para protesto, praça Tahrir, no Egito, transmitir aquelas imagens pro mundo, sem a necessidade de um jornalista. Ali surge muito o jornalismo cidadão, essa ideia de que qualquer um produz um conteúdo.

         O que aconteceu é que, até 2013, no Brasil, com as jornadas de junho, ainda se tinha muito isso, até por meio das redes sociais o público mostrando algo que, às vezes, a própria mídia tradicional não mostrava. De 2013 para cá, as redes sociais passaram a se revelar como o esgoto da sociedade. Ali, ela mostrou, de certa forma, sua cara, sua face mais nefasta, de algo que veio e surgiu como libertador, e aí a ‘primavera árabe’ era o grande exemplo disso, se tornou o esgoto da sociedade, onde se espalha, não só fake News, mas a pornografia infantil, tráfico de órgãos, tráfico de drogas, e aí começam alguns fenômenos em que as notícias falsas começam a influenciar processos políticos, como no Reino Unido, eleição do Trump, nos Estados Unidos, e como eleição do Bolsonaro, no Brasil.

          É muito mais difícil tu desmentir uma notícia falsa espalhada pelas redes sociais. A verdade demora tempo para vir à tona e a mentira ela vem muito mais rápida, então, eu acho que o grande desafio do jornalismo hoje, não só é, desmentir as fake news, mas provar para a sociedade que tem valor, que jornalismo de qualidade, profissional tem valor. Senão, a política e a economia vão ser capturadas por pessoas interessadas em fazer o uso desse mecanismo que é a notícia falsa, como o Trump faz, como Bolsonaro faz.

           Eu me preocupo muito com isso, porque está no âmago da nossa profissão, a verdade está no âmago da nossa profissão. Nós lidamos com a verdade. Tu pode questionar pontos de vista, mas existe uma verdade factual. Quando tudo vira versão, tu vai perdendo as bases das coisas, e corremos o risco da falência das instituições tudo é questionável até que a terra é redonda. O que vale é a versão, não vale mais o fato.


Tu falaste sobre a crise migratória e o Brasil tem sido um ponto de confluência de muitos imigrantes. De que maneira se consegue reduzir o impacto desse fluxo e contribuir com essas pessoas que vêm em busca de uma vida melhor ou fugindo de conflitos?

           Pessoas sempre migraram, historicamente. Não fosse assim, nós não estaríamos aqui na América. Então, barrar o fluxo de pessoas, de seres humanos, é algo que não é natural. As pessoas migram por diferentes razões: fatores econômicos, fatores sociais, guerras.

          O que nós estamos vendo na Venezuela é um fenômeno que até pouco tempo atrás não estava presente na nossa realidade. A gente via refugiados na África e na Ásia. Continua sendo assim a maior parte das populações. Mas agora é uma realidade nossa, é uma crise local regional que extrapolou as fronteiras da Venezuela e gera reflexos em outros países. Por isso, tem que ser tratado de forma conjunta. Não adianta o Brasil fechar fronteiras, como a Venezuela fechou.

           Outra coisa que é importante dizer, que a maior fluxo de refugiados da Venezuela tá indo para Colômbia, não para o Brasil, então é uma falácia dizer que nós temos uma crise migratória. No Brasil não temos, até porque a maior parte dos venezuelanos quer ir para Colômbia, não para o Brasil, porque a Colômbia está em uma situação financeira melhor que o Brasil, e até é mais perto, as pessoas têm mais condições de voltar também, é menor. Por que o sonho de todo imigrante é sempre voltar.


Qual o modelo político econômico mais adequado ao Brasil?

           Não tem como fugir do capitalismo. É ilusão achar que o mundo possa encontrar outro sistema político-econômico que substitua o capitalismo. Provavelmente, num futuro distante, talvez possa, mas nesse momento não é possível. Nos próximos 40 ou 50 anos não vai acontecer, então, nós vivemos num mundo capitalista.

          Vivemos num mundo globalizado, como falei, de interconexões, então, não somos uma ilha. Nós vivemos no mundo capitalista, vamos continuar neste momento. Democrático, porque é o melhor sistema político que existe até o momento, não cria outro. Então espero que no Brasil continue sendo uma democracia e acho que o modelo econômico da democracia social. Para o Brasil, seria o melhor e mais adequado.



Bastidores da Entrevista

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